quarta-feira, 13 de julho de 2016

PRECISAMOS FALAR SOBRE OS LGBTS IDOSOS.

Me dirijo agora a todos os leitores, mas em especial aos leitores LGBT, para lhes fazer uma pergunta simples: 
-Quantas pessoas LGBT você conhece, seja no seu círculo de amizades ou mídia ou pelas suas redes sociais?
A resposta provavelmente será: "várias", "muitas", "um monte", "perdi as contas"... E isso é muito bom. É um sinal de que estamos mais visíveis e menos "presos no armário", e isso sem sombra de dúvidas, é excelente. Mas quem somos nós? Quem somos "muitos"? Quem estamos "visíveis"?
"Visibilidade". Essa palavra é, de longe, uma das mais ouvidas em todos os movimentos sociais. Mas visibilidade para quem? Para nossa comunidade, ou apenas para nós mesmos individualmente? Visibilidade ou necessidade de destaque? Essas são perguntas que devem ser feitas urgentemente por todos "nós", do movimento LGBT. 
Para esclarecer um pouco, vamos "dividir" o "nós": Quantos de "nós" têm menos de 15 anos? Quantos de "nós" têm entre 15 e 17 anos? Quantos de "nós" temos entre 18 e 35 anos? Quantos de "nós" têm entre 36 e 59 anos? E, por fim, quantos de "nós" temos temos mais de 60 anos?
Se eu tivesse, seria capaz de apostar um milhão de dólares que a total e absoluta maioria de "nós" temos entre 18 e 35 anos. Isso porque no Brasil, a expectativa de vida de travestis e transsexuais é de 35 (sim, trinta e cinco) anos de idade E a de gays, varia de 37 a 55 anos, dependendo do nível de violência do local. Isso somado ao fato de que "nós" pouco, ou nada discutimos ou pensamos sobre as pessoas LGBTs com idade inferior a 18 anos, ao passo que elas são agredidas física e psicologicamente, violentadas, maltratadas e expulsas de casa (tema que tratarei em outro texto).
Logo, é por isso que "nós" não conhecemos muitas pessoas LGBTs com mais de 60 anos. Porque elas simplesmente não existem. Elas simplesmente se mataram ou foram assassinadas antes de chegarem à terceira idade e quando chegam, muitas vezes são completamente abandonadas por suas famílias e amigos por que "ninguém quer cuidar de uma maricona". Sim. Essa é a mais pura e cruel realidade do nosso meio. 
Ninguém quer saber, nem falar, nem pensar nos "velhos". Sempre foi assim com os heterossexuais, porque haveria de ser diferente com a gente não é mesmo? E há uma resposta para isso: Haveria de ser diferente porque se ser idoso no Brasil já é calamitoso, ser idoso -E- LGBT é desumano. É cruel.
Ser idoso LGBT no Brasil é ter a única e absoluta certeza do abandono. É passar nas ruas e sentir o preconceito mais cru e vil sendo destilado. Ser idoso LGBT no Brasil é ser sempre o "pedófilo", o "pederasta", o "velho tarado", a "maricona nojenta". É estar condenado a um submundo de guetos, do qual "nós" mantemos distância e, se por algum motivo um de "nós" formos vistos nestes locais, o título de garoto de programa é imediato. Pois muitas vezes, as pessoas LGBTs idosas precisam recorrer sim, a esta alternativa para ter ao menos, suas necessidades sexuais satisfeitas (sim, idosos também transam assim como "nós") já que quando conseguem a verdadeira conquista de chegar à terceira idade, "nós" simplesmente ignoramos sua existência ou a transformamos em piada. E isso não tem a mínima graça.
Imaginemo-nos daqui a 42 anos (caso cheguemos lá):
Como estaria nossa vida? O que pensaríamos sobre o que deixamos para os LGBTs mais novos? Qual o contato que teremos com eles? Eles lembrarão que existimos? Como será a saúde da população LGBT até lá? Como serão os espaços de lazer e diversão? Teremos uma família? O que teremos feito quanto ao tratamento que s LGBTs idosos recebem nos asilos e similares hoje em dia? Quem cuidará de nós? Ficaremos abandonados?
Essas perguntas são, sem dúvidas, de suma importância para que "nós" reflitamos em que condições "vivem" as pessoas LGBTs idosas no Brasil. Seja em casa, em instituições de acolhimento, asilos etc.
Atualmente não ouvimos falar de nenhuma iniciativa ou política de proteção e amparo à população LGBT na terceira idade e isso, deve ser pautado por TODOS "nós" para ontem. Pois ao negligenciar isso, não estamos sendo muito diferentes dos que nos matam enquanto jovens. Pois estamos sendo coniventes com a solidão e abandono dos nossos quando idosos. 
Então vêm mais perguntas: -Qual o sentido da nossa luta? Porque estamos lutando? O que, de fato, estamos fazendo? Qual o sentido de lutar para não morrer aos trinta e poucos e simplesmente não viver depois dos sessenta?
Não existe nenhum motivo para comemoração da velhice LGBT. É como pegar o cogumelo de vida no "Mário World" e cair no buraco :. É nadar e morrer na praia.
Essa situação nos faz pensar, também, no quão ingrato somos aos que lutaram antes de nós para que pudéssemos ter, hoje, condições melhores e mais liberdade para ser o que realmente somos. Há de se lembrar sempre, que foram exatamente as "mariconas" que lutaram (e nas ruas) muito antes de nós podermos "lutar" através das redes sociais, como acontece em muitos casos. As poucas pessoas LGBTs que lutaram e sobreviveram para contar suas histórias, estão muitas vezes jogadas à própria sorte sem apoio da família ou da população LGBT ("nós"). Enquanto "nós" seguimos vivendo na nossa bolha virtual, sem abrir os olhos ara o que acontece lá fora, no mundo real. O que "nós" deveríamos tratar como exemplos a serem seguidos de luta, resistência, força e conquistas; "nós" simplesmente não tratamos como nada ou tratamos como piada. Mas nunca como pessoas dignas de todo o respeito, proteção e colhimento devidos. Principalmente por tudo o que enfrentaram e passaram para que a sociedade caminhasse o quanto caminhou no reconhecimento que temos hoje. 
Temos que procurar essas pessoas, saber o que acontece com elas, como elas vivem, do que precisam e o que podemos fazer para ajudar a tornar um mundo melhor para elas. Temos que ir nos guetos, nas saunas, nos bares, nos asilos, nas ruas, debaixo dos viadutos, nas rodoviárias, nas delegacias e em todos os lugares. Isso é inclusão. É sair da nossa zona de conforto e ir nos locais onde existem pessoas que podem precisar de nós. Em lugares onde há violência e poder, talvez, salvar uma vida.
Porque se "nós" sofremos homofobia hoje que somos "novinhos", "bonitinhos" em plena "idade ativa", imagina aqueles que apenas pela idade já seriam vistos por grande parte da sociedade como um "peso" e ainda são LGBT. Fechemos os olhos e imaginemos a crueldade da violência contra o idoso, acrecida de homofobia. Sim, é cruel. É desumano, torpe, vil, nefasto e todos os adjetivos semelhantes. E este, possivelmente será o tratamento destinado àqueles de "nós" que alcançarmos a terceira idade. Pois hoje, "nós" nem lembramos que eles existem e quem garante que os "sub 17" (que "nós" tampouco nos importamos) lembrarão que existiremos daqui a quatro décadas?
É preciso que acordemos para isso o quanto antes, pois toda luta deve ter uma finalidade (fim) e se o no nosso presente, temos duas opções de fim: uma morte prematura por violência ou suicídio ou o abandono e esquecimento na velhice. Frente a isso, não vêm mais perguntas e sim uma constatação: A vida população LGBT tem um final. às vezes precoce, às vezes nem tanto. Mas nenhum deles é um final feliz. E mudar isso, mais do que nunca, está nas nossas mãos.








Rafael Campos
 13 de Julho de 2016

domingo, 10 de julho de 2016

SER GAY O SUFICIENTE

Nos últimos tempos, o movimento LGBT vem passando por diversas crises internas.
Em tempos onde o ativismo se tornou predominantemente virtual e individual, as pessoas parecem não perceber que diversas vezes (para não dizer quase sempre) elas fazem exatamente o que criticam e entram em notória contradição. Mostrando uma perigosa falta de interesse pelas questões pragmáticas e se atendo apenas ao debate mais profundamente superficial possível, temas como criminalização da LGBTfobia; despatologização da transexualidade; pautas voltadas à saúde; segurança; políticas de proteção e amparo às crianças e adolescentes LGBTs agredidas, abusadas e expulsas de casa e políticas de proteção e amparo aos LGBTs idosos são totalmente ignorados em prol de infinitas discussões muito mais "urgente" e necessárias" como: "protagonismo", "local de fala", "heteronormatividade", "padrões estéticos", "gênero fluido", dentre outros.
Com o passar dos anos e a evolução dos meios de comunicação, a internet se tornou cada vez mais a ferramenta principal da militância do século XXI. O que a vem tornando perigosamente individualista, imediatista, rasa e impositiva. Não se sabe mais construir um diálogo com pessoas que "não sofrem a mesma opressão que você". Qualquer um que não esteja no seu "grupo", é seu opressor e não merece qualquer consideração ou debate, pois a única vontade que vale é a sua porque é o "mais oprimido". Isso faz com que cada vez mais, as pessoas tentem impor seus estilos e modos de vida para os demais, afim de fazer com que eles se encaixem nos seus "padrões de desconstrução". Se você não é "closera", "fechativa", "lacradora" e "pintosérrima" você não e gay o suficiente e não passa de uma "bixa encubada, heteronormativa" que tem que ficar calado e não pode falar nada orque não tem local de fala. 
Mas o que é ser gay o suficiente? É se portar e agir de acordo com o novo "Código de Conduta Gay"? É ter que provar para o meio LGBT que não precisamos provar nada para a sociedade provando para eles que seremos exatamente o que querem que sejamos? (confuso, não?)
Coisas como essa nos mostram a que ponto a incoerência (para não dizer hipocrisia) podem chegar. Pois ao defendermos a "diversidade", criticamos aberta e desmedidamente pessoas que, muitas vezes são apenas do jeito que são. Que se encaixam e se sentem confortáveis em ser e se portar de determinada forma mais "discreta" ou usar roupas "masculinas.
As pessoas que se preocupam tanto em estabelecer locais para as coisas, parecem não ter a mínima noção do que defendem ao entender justamente que existem LOCAIS e MOMENTOS específicos para se debater todos os tipo de assuntos e demandas. Transformando assim, a política e um movimento de luta por direitos, em um espaço de discussões filosóficas infinitas que por mais que sejam extremamente válidas e necessárias para o bom desenvolvimento da sociedade, não acrescentam em absolutamente nada no movimento em questão. A mistura de espaços e falta de foco têm se mostrado, cada vez mais, as piores inimigas do movimento LGBT.
Vivemos em uma época em que a sociedade se organiza em micro-bolhas, onde seus membros tomam a realidade em que vivem como aplicável ao restante da sociedade. O que não chega nem perto de ser verdade e dificulta cada vez mais a construção de propostas e projetos abrangentes e aplicáveis a níveis macrossociais.  E uma vez que a individualidade coletiva é propagada de forma desenfreada e usa de espaços e mecanismos de construção conjunta para sobrepor suas vontades individuais ou de seu grupo em detrimento dos demais, não pode-se esperar, de fato, muitos avanços.
É preciso entender que "dar a cara a tapa" vai muito além de postar textos de teorias pós modernas desenvolvidas em grupos de "militância" do Tumblr ou Facebook, ter trejeitos afeminados, usar o dialeto ou postar memes nas redes sociais. Dar a cara a tapa é se afirmar enquanto gay e enquanto ser social e ter consciência disso, respeitando absolutamente TODAS as diferenças entre as pessoas sem querer impor o seu estilo ou ideias à elas. É se preocupar com seus semelhantes e no que você pode fazer para realmente ajudar. É pensar que enquanto ficamos criticando outros gays por serem "heteronormativos demais" ou "afeminados demais", poderíamos estar discutindo uma forma de criminalizar a LGBTfobia. É conversar, dialogar e abrir debate com os héteros para que eles nos ajudem a criminalizar a LGBTfobia ao invés de excluí-los do debate e mandá-los calar a boca porque eles "não tem lugar de fala", apenas para satisfazer nossa sede de vingança mesquinha e mandar ele calar a boca. É fazer com que o nosso opressor pare de nos oprimir porque ele sabe que isso é errado, não porque estamos berrando na cara dele e tendo para com ele as mesmas atitudes que ele tem com a gente (piadas, chacotas, ironias, etc...). É ter coerência entre o que você defende e com o que você pratica. ISSO é dar a cara a tapa; é fazer o que incomoda, o que a gente não quer, o que pode doer, porque sabemos que assim conseguiremos evitar que mais pessoas como nós passem por tudo o que tivemos que passar em função do preconceito. Este deve ser o real sentido da militância: melhorar o mundo para nós e para todos. E ninguém nunca disse que isso seria fácil ou agradável. É para os fortes. Para quem realmente está disposto a fazer coisas desagradáveis e dialogar educadamente com gente que não gosta e da pior espécie em função de um bem que não é apenas para si, mas para toda uma comunidade.
Enquanto o movimento LGBT seguir focado em disputas de ego internas vazias e sem sentido, seguiremos estagnados tal qual nossos inimigos querem que fiquemos. Pois eles sim, estão muito bem organizados e alinhados no que querem. Possuem discursos persuasivos, inserção social (que nós não temos) e estão conseguindo levar cada vez mais a sociedade para o lado deles e contra nós.
É preciso sair do "Vale dos Homossexuais" que criamos e voltar para o mundo real, pois lá fora existem muitas pessoas que não possuem nem a chance de sonhar em ter um vale desse para "viver".
É preciso que todos nós sejamos Gays o suficiente para encarar o movimento LGBT como um movimento político sério e que deve ser organizado e com objetivos, pautas e discussões claras e inclusivas à TODA comunidade. Deixando de lado as disputas de ego e os revanchismos cotidianos em função do que realmente deve ser prioritário. 
O lugar de fala existe, mas nunca deve ser mais importante que o debate, pois se não há debate e pontos de vista divergentes, há uma imposição. E dessa forma nós nunca conseguiremos nenhum tipo de avanço dentro do movimento, muito menos na sociedade como um todo, bem como seguiremos alimentando a imagem negativa do movimento LGBT e legitimando todas as críticas das quais somos alvos quando dizem que "não sabemos o que queremos", "queremos demais", "não sabemos dialogar".
Uma pessoa alegar "reação do oprimido" para justificar uma má conduta não faz com que sua conduta melhore, apenas a transforma em imatura e revanchista. Além de ela esquecer que seguindo por esta mesma lógica, ela legitima o opressor "oprimido" por ela a perseguir e agredir outra pessoa para descontar. Onde está a preocupação de militante nessa hora? Não podemos ser inconsequentes e enquanto seres pensantes que somos, devemos entender que certas coisas não estão sob nosso controle. Como o fato de pelo simples motivo de sermos gays, sempre estaremos em maior "destaque" na sociedade, sendo assim, todas as nossas atitudes influenciam na concepção que os demais têm a nosso respeito. Principalmente a nossa forma de lidar com eles e dialogar. E sem o apoio da maioria da sociedade, poderíamos ser massacrados como éramos há poucas décadas atrás.
Temos que repensar urgentemente nossa forma de atuação e inserção em sociedade, pois empatia não é uma coisa que se consegue à força e sim com muito diálogo, discussão e debate envolvendo o maior número de pessoas possíveis. Caso contrário, não poderemos ficar chocados com o quanto "a direita está reacionária" e se mobilizando contra os direitos da população LGBT. E enquanto estivermos preocupados em chamar homens gays "heteronormativos" de "GGGG", tentar calar pessoas dentro do próprio meio sem se importar em esclarecer as divergências, querer impor "teorias" e afins, não conseguiremos empatia nem dentro da população LGBT, muito menos da sociedade como um todo. Menos ainda, pensar em dar algum tipo de amparo para as crianças adolescentes e idosos LGBTs. 
Porque como poderemos pensar em lembrar e ouvir essas pessoas quando não conseguimos ouvir e dialogar nem com quem está na nossa frente? Nós não pensamos neles, porque se pensássemos colocaríamos nosso ego de lado em função do que realmente importa. Mas o movimento "LGBT" é a única luta "coletiva" onde os membros brigam por "protagonismo".




Rafael Campos.
10/07/2016

sábado, 2 de julho de 2016

1626 anos de perseguição (e resistência) e contando...

A comunidade gay é historicamente a comunidade mais perseguida do mundo. 

Desde a idade antiga, passando pela idade media, moderna e contemporânea, a comunidade gay é perseguida e morta nos quatro cantos do mundo e há apenas 27 anos que começamos a ter avanços reais em alguns países.

O judaísmo, desde seu surgimento (datado do século XVIII A.C.) já pregava que as relações sexuais tinham como único objetivo a "multiplicação da criação divina". Mas essa ideia ficou restrita à comunidade judaica e aos pouco cristãos existente até o início do século IV, quando o imperador romano Constantino converteu-se ao cristianismo e instaurou-o como religião obrigatória no maior império existente na época. Posteriormente, no ano de 390, durante o reinado de Tedósio I (ou Tedósio, o Grande), a homossexualidade passou a ser punida com a pena de morte, o que foi uma das razões que desencadearam o Massacre de Tessalônica no ano de 388 no qual morreram entre 300 e 7000 pessoas de acordo com a versão contada (que pode ser considerado a primeira rebelião contra a homofobia exercida pelo cristianismo da história). 

No século VI, em 533, o imperador Justiniano promulgou a primeira lei que punia, sem ressalvas, a homossexualidade e a equiparava ao crime de adultério, que também tinha a morte como pena. Ainda durante seu império, nos anos de 538 e 544, outras leis passaram a obrigar que os homossexuais se arrependessem de seus pecados e fizessem penitência. Punições estas, que foram se intensificando com o nascimento e expansão do islamismo a partir do século VII, reforçando a teoria de que o sexo deveria ser feito apenas no intuito de reprodução. e afastando e marginalizando cada vez mais os homossexuais na sociedade. O que não impedia com que os homens se relacionassem entre si, mas os obrigassem a fazê-lo às escondidas. Criando assim, o nosso tão conhecido "armário".

A partir de meados do século XII, porém, a igreja católica começou a enfrentar uma série de crises e com o humanismo renascentista, os valores clássicos -bem como o gosto dos antigos pela forma masculina- foram ressurgindo através da celebração do amor entre homens por poetas, pintores, escritores e dramaturgos. Além do fato de que, entre a nobreza, a homossexualidade nunca foi de fato censurada.Um dos casos mais conhecidos é o do monarca inglês Ricardo Coração de Leão (1157-1199).

Durante os anos de 1347 a 1351, a peste negra devastou a Europa, matando 25 milhões de pessoas. Frente à incapacidade dos cientistas da época de explicarem as causas da doença, as mesmas foram rapidamente atribuídas pela população a um "castigo divino" pelo "pecado" que os homens cometiam ao relacionarem-se com outros homens. "Pecado" este, que foi apontado também como causador de diversas outras calamidades que afetaram a Europa, como guerras e a fome. Desta forma os judeus, hereges e sodomitas (homossexuais) passaram a ser culpados por todos os males sofridos pela sociedade da época, tornando-se os principais alvos de perseguição e extermínio. Medidas extremas foram tomadas. Em 1432 a sodomia foi proibida em Florença com a criação dos Ufficiali di Notte (agentes da noite), o que resultou em setenta anos de perseguição ferrenha a homens que se relacionavam com outros homens, fazendo com que 17 mil fossem incriminados e 3 mil fossem condenados por sodomia em uma população de apenas 40 mil habitantes.

Outros países foram seguindo o exemplo e criaram leis rígidas para punir os homossexuais. O século XIX começou com o enforcamento de vários cidadãos acusados de sodomia na Inglaterra, sendo que entre os anos de 1800 e 1834, 80 homens foram mortos por serem gays. A pena de morte para os atos de sodomia foi abolida apenas em 1861, quando o país a substituiu por uma pena de dez anos de trabalhos forçados. 

Pouco tempo depois, ainda no mesmo século, a ciência começou a se interessar pela homossexualidade. A expressão "homossexual" foi criada em 1848, pelo psicólogo alemão Karoly Maria Benkert (1824-1882). E, tinha como definição "além do impulso sexual normal dos homens e das mulheres, a natureza, do seu odo soberano, dotou à nascença, certos indivíduos masculinos e femininos do impulso homossexual (...). Esse impulso cria de antemão, uma aversão direta ao sexo oposto". Alguns anos depois, em 1897, o médico inglês Havelock Ellis publicou o primeiro liro de medicina sobre homossexualismo em inglês, o "Sexual Inversion" (Inversão Sexual). Nele o autor defendia que a homossexualidade congênita e hereditária. Somando-se assim, à opinião científica, médica e psiquiátrica vigente de que a homossexualidade se tratava de uma doença derivada de uma anormalidade genética associada a problemas mentais na família. Foi, também no século XIX, que surgiram as primeiras iniciativas de enfrentamento e mobilização política pelos direitos dos homossexuais do período contemporâneo. O alemão Karl Heinrich Ulrichs foi o percursor do que hoje conhecemos como "ativismo gay", em 29 de agosto de 1867 durante o VI congresso de juristas alemães, que ocorreu em Munique. Na ocasião ele exigiu publicamente, diante de 500 pessoas, que a homossexualidade masculina fosse descriminalizada. Seu discurso e seu ativismo inspiraram alguns liberais e foram responsáveis pelo desenvolvimento de uma consciência política que resultaria, em 1897, na criação do "Comitê Científico Humanitário" pelo médico polonês Magnus Hirschfeld (1868-1935), no qual também foram incluídas as pautas de mulheres lésbicas, travestis e transexuais. O comitê foi responsável, também, pelo impedimento da criminalização da lesbianidade em 1910. Razão pela qual as mulheres lésbicas não foram enviadas para os campos de concentração nazistas.

A teoria de que a homossexualidade era uma doença, unida aos ideais crescentes de pureza racial e eugenismo (estudo dos agentes sob o controle social que podem melhorar ou empobrecer as qualidades raciais das futuras gerações seja física ou mentalmente) que ganharam força nos anos de 1930, foram as justificativas necessárias para que se iniciasse um dos capítulos mais terríveis da história dos homossexuais. Em 1933, o neurocirurgião português Egas Moniz (1874-1955) criou a técnica da lobotomia, que consistia em um procedimento cirúrgico que cortava um pedaço do cérebro (mais precisamente os nervos do córtex pré-frontal) dos pacientes psiquiátricos. Só na suécia, mais de 3 mil gays foram lobotomizados e na Dinamarca cerca de 3500, sendo a última cirurgia realizada no ano de 1981. Já nos Estados Unidos, os cidadãos que apresentaram "disfunções sexuais" e foram lobotomizados, passaram das dezenas de milhares. Durante essa época, além de ser vista como uma "abominação aos olhos de Deus", a homossexualidade também já era vista como uma doença causada por um defeito genético.

Durante o outono de 1933, depois do expurgo ocorrido em fevereiro do mesmo ano,  o campo de concentração nazista de Fuhlsbuttel, localizado em Hamburgo, na Alemanha, começou a receber os presos capturados por homossexualismo. Asim que saíam dos trens, eles eram marcados com a letra "A", que posteriormente seria substituído por um triângulo cor-de-rosa invertido. Diferentemente dos outros presos, os homossexuais não eram enviados aos campos para serem exterminados, mas sim "curados". Entretanto, a tal "intenção de cura" não impediu com que a taxa de morte dos homossexuais nos campos de concentração nazistas fosse a maior entre os "grupos anti-sociais". Segundo um estudo do sociólogo alemão Ruedger Lautmann, 60% dos homens gays que foram enviados aos campos de concentração foram mortos, contra 41% dos prisioneiros políticos. Tais mortes ocorreram devido ao tratamento singularmente cruel que era dedicado aos homens gays, que eram perseguidos não só pelos soldados alemães, mas também pelos demais prisioneiros. Sob a política da "libertação pelo trabalho", os homossexuais eram forçados a executar os trabalhos mais forçados e perigosos, além de terem , frequentemente, o triângulo rosa que eram obrigados a usar, utilizado como alvo de prática de tiros pelos soldados da SS. Houveram, também, muitos casos de homossexuais que morreram em decorrência de espancamentos praticados por parte dos outros detentos dos campos, bem como em "experiências científicas" que visavam localizar o "gene gay" a fim de encontrar uma "cura" para as crianças arianas que viessem a ser gays. Outras formas de tortura também foram usadas contra os homossexuais, como arrancar-lhes as unhas, estupros com réguas de madeira quebradas, causando-lhes graves hemorragias internas e ataques de cães para que fossem mordidos até a morte.
Outra forma utilizada para "curar" os homossexuais no campo de concentração deFlossenbürg, foi a criação de uma casa de prostituição que os homossexuais eram obrigados a frequentar. Os que eram "curados" eram enviados por "bom comportamento" para os campos de guerra para combater os russos. Além de todos os tratamento citados, o endocrinologista nazista Carl Vaernet elaborou um "procedimento" no qual ele castrou os pacientes do campo de Buchenwald e injetou-lhes altas doses de hormônios masculinos, para observar possíveis sinais de "masculinização". Todos estes fatos fizeram com que cerca de 15 mil gays fossem mortos nos campos de concentração durante o regime nazista. Os que conseguiram sobreviver, mesmo após a guerra, ainda foram forçados pelos americanos e britânicos a cumprir o que restava da pena imputada pelos nazistas em prisões convencionais.

Durante as décadas de 1950 e 1960, os homossexuais norte americanos enfrentavam um sistema jurídico abertamente anti-homossexuais, que perseguia e realizava frequentes batidas policiais em bares gays. Mas no ano de 1969, no bairro Greenwich Village em Nova York, quando a polícia invadiu o bar Stonewall Inn, que era frequentado por homossexuais, prendendo cerca de 200 pessoas, as coisas fugiram ao seu controle. Na madrugada do dia 28 de junho, ao sair com os presos após a invasão, a polícia foi recebida por uma multidão que estava farta dos frequentes abusos. As pessoas então, atacaram os policiais com pedras e garrafas. Foi o início do "Gay Power". A partir de então, as rebeliões só vieram a aumentar noite após noite, fazendo com que em poucas semanas, os moradores do bairro organizassem grupos de ativistas concentrassem esforços no estabelecimento de lugares que gays e lésbicas pudessem frequentar sem medo de serem presos. No dia 28 de junho do ano seguinte, foram realizadas as primeiras marchas do orgulho gay em Nova York, Chicago, São Francisco e Los Angeles em comemoração ao aniversário dos motins. Alguns anos depois, várias organizações de direitos gays foram criadas nos Estados Unidos e em outros países do mundo. Os membros da comunidade gay perceberam que era preciso que eles se organizassem para que a homofobia fosse combatida. Uma das principais vitórias da época foi conquistada em 1970, quando o cofundador do movimento pelos direitos civis dos negros nos Estados Unidos "Panteras negras", Huey Newton, declarou publicamente seu apoio ao movimento pró-gay. Sendo a primeira vez em que um movimento majoritariamente heterossexual apoiava a causa. Três anos depois, viria mais uma grande conquista: a Associação de Psiquiatria Americana retirou a homossexualidade de sua lista de patologias. Expondo, assim, os danos que as "terapias de reparação" causavam aos pacientes. Até que em 1977, na Cidade de São Francisco, estado da Califórnia, os eleitores da cidade elegeram pela primeira vez na história do país, um homem assumidamente gay a um cargo público. Harvey Milk (1930-1978), foi (e é) um dos ativistas gays mais emblemáticos e conhecidos da história do movimento gay moderno.

A situação, porém, só começou a melhorar de fato, no final do século XX, quando durante as décadas de 1980 e 1990, a maioria dos países desenvolvidos descriminalizou a homossexualidade. Ainda na última década do milênio, no ano de 1990, a Organização Mundial da Saúde (OMS) retirou a homossexualidade da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID). O que pode ser considerada a maior vitória do movimento gay nos últimos tempos.

Em 1989 a Dinamarca se tornou o primeiro país do mundo a reconhecer a união religiosa entre pessoas do mesmo sexo pela igreja luterana (igreja oficial do estado dinamarquês). O primeiro país a reconhecer a união civil entre homossexuais foi a Holanda (2001). Seguida por Bélgica (2003), Espanha (2005), Canadá (2005), Africa do Sul (2006), Noruega (2009), Suécia (2009), Portugal (2010), Argentina (2010), Islândia (2010), Dinamarca (2012), Brasil (2013), Uruguai (2013), Nova Zelândia (2013), França (2013), Inglaterra (2014), País de Gales (2014), Escócia (2014), Luxemburgo (2014), Finlândia (2015), Irlanda (2015), Estados Unidos (2015) e Itália (2016).

Com o passar dos anos, o movimento foi crescendo e ganhando cada vez mais visibilidade ao redor do mundo. Tornando-se mundialmente conhecido primeiramente como "movimento GLS (Gays, Lésbicas e Simpatizantes), depois assumindo a sigla "GLBT" (Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais) e por fim o atual acrônimo "LGBT" (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais). Mas à medida que a sociedade foi evoluindo junto com as formas de combate à homofobia, o preconceito também foi se adaptando aos novos tempos.

O início do século XXI tem sido marcado não só por grandes avanços das pautas LGBT em vários países do mundo, mas também por um grande aumento da externalização dos velhos preconceitos e do ódio às pessoas pertencentes ao grupo. Tais fatos são ainda mais agravados pelas grandes disputas internas que se instalaram dentro dos grupos de militância; e novamente, o alvo principal são os homens gays.

Eternamente condenados como "abominação" pelo cristianismo, a comunidade gay viu com o passar dos últimos anos (principalmente a partir de 2013) uma surpreendente e histórica postura bem mais "branda" e "acolhedora" por parte da igreja católica para com as pessoas LGBT. O Papa Francisco, que outrora, quando bispo de Buenos Aires, chegou a se opor fortemente à aprovação da legislação argentina que  permite o casamento entre pessoas do mesmo sexo, dizendo que "se o projeto de lei que prevê às pessoas do mesmo sexo a possibilidade de se unirem civilmente e adotar também crianças vier a ser aprovado, poderia ter efeitos danosos sobre a família", passou a assumir uma posição surpreendentemente oposta ao se tornar papa. Desde o início de seu pontificado, o chefe de estado do Vaticano deu várias declarações em favor dos homossexuais, dizendo que "eles não devem ser marginalizados, mas integrados à sociedade" e que "se uma pessoa é gay e procura o senhor, quem seria ele para julgar?" que "todos devemos ser irmãos" e que "a igreja não deve interferir espiritualmente na vida de gays e lésbicas" e que "Deus, ao nos criar, nos fez livres". Mas tal fato está longe de significar o fim da perseguição cristã aos gays, uma vez que a igreja evangélica vem crescendo a passos largos e amparada pelas mais tradicionais e fundamentalistas regras e imposições do cristianismo. Fundamentalismo este, que saiu de dentro dos "templos religiosos" e passou a fazer parte da política. Ameaçando assim, a laicidade dos estados e os direitos conquistados nos últimos anos. Além da crescente expansão a nível global de grupos radicais islâmicos, que têm os homossexuais como um dos alvos principais).
A "reação" dos movimentos conservadores (religiosos, militares e intolerantes no geral), acontece em um dos momentos mais delicados do movimento "LGBT". Muitas pessoas que hoje, compõem o movimento (entidades, coletivos, grupos, etc), não vivenciaram tudo que nossos antecessores de causa viveram e as condições de sua época; o que somado ao avanço tecnológico, transformou o ativismo "LGBT" em uma espécie de "militância virtual" e abstrata. Que se dedica mais a disputas internas e elaboração de teorias pós-modernas de sexualidades e gêneros diversos (como a "teoria queer"), do que efetivamente às demandas práticas e materiais do grupo.
Apesar de ainda não ser exatamente "fácil" ser gay nos dias atuais (o preconceito ainda é grande na maioria dos lugares), a comunidade "LGBT" não corre o risco de ser presa, torturada, condenada à morte (pelo estado) como era até relativamente pouco tempo atrás. Tais garantias deram uma falsa sensação de segurança permanente aos membros da comunidade, que aos poucos foram perdendo o interesse pelo movimento. Além disso, o movimento "LGBT" tem passado por uma série de conflitos internos advindos da valorização exacerbada do "protagonismo" e do "identitarismo", fazendo com que o movimento fique cada vez mais rachado devido às disputas egoicas presentes na atual conjuntura.

Um dos maiores conflitos se deve ao novo formato que o movimento "LGBT" vem assumindo nos últimos anos. Sendo majoritariamente cooptado pelos partidos de esquerda (que até o final do século XX eram tão homofóbicos quanto os nazistas), o movimento perdeu grande parte de sua independência e autonomia política ao se tornar um verdadeiro "combo" de ativismos que passou a misturar diversas pautas e demandas políticas e sociais específicas a cada causa. Tornando-se assim, dependente de ações e iniciativas de partidos políticos ou do bom senso do sistema judiciário para que seja alcançada alguma nova conquista. Não é mais um movimento "físico", mas sim uma "ideologia política". Que com o crescimento dos demais movimentos sociais, começou a ter cada vez mais interferência externa, que está fazendo com que pessoas pertencentes cada letra do acrônimo "LGBT" trate as outras como potenciais inimigas e opressoras. O que leva (novamente) o homem gay ao posto de "escória da sociedade".
Atualmente a comunidade gay é atacada e perseguida por diversos setores da sociedade: Considerada "impura" e "herege" pelos fundamentalistas religiosos, acusada por parte da militância trans de ter "roubado o protagonismo" dos motins de Stonewall, acusada de machismo e misoginia por algumas correntes feministas devido ao fato de não sentir atração (ou sentir aversão) ao órgão genital feminino, acusada de transfobia pelos "teóricos pós modernos" ao se opor às teorias que afirmam que a sexualidade e o gênero são fluidos não essenciais, mas sim frutos de uma construção social, acusada de falocêntrica e transfóbica por se afirmar como única e exclusivamente como homossexual. Relacionando-se assim, apenas com outros homens gays cisgêneros (que possuem gênero e sexo biológico masculino), acusada por parte da comunidade lésbica de "invisibilizar" as lésbicas ao longo da história, além de todas as opressões cotidianas que ainda fazem parte da vida da comunidade.

Em tempos em que novamente a comunidade gay corre o risco de voltar a ser o centro da satanização da sociedade e que o movimento "LGBT" caminha em um processo de desaceleração crescente, ao passo que os ideais homofóbicos voltam a ganhar força na sociedade e na política, é de extrema importância e necessidade que haja uma imediata reorganização e resgate do movimento homossexual para que através da retomada do ativismo material e prático, as conquistas já logradas sejam mantidas e as demandas ainda pendentes tenham os devidos avanços. É preciso recriar a mesma consciência de organização política eclodida após os motins de Stonewall. É necessário que haja cada vez mais "Harveys" Milk na política de todos os países para que a comunidade homossexual possa voltar a ser independente e forte, bem como deliberar sobre suas próprias pautas e encaminhá-las ao estado de forma que haja chances reais de que sejam aprovadas. Sem que haja necessidade de ser um "apêndice de partido". Homossexualidade não é uma ideologia nem uma teoria. É uma característica, um fato. Não está relacionada à "direita", "esquerda" ou qualquer outro posicionamento político ou econômico. Está relacionada aos direitos humanos. E é necessário que se entenda que, depois de conquistados, tais direitos  devem ser mantidos e a manutenção dos mesmos deve ser feita pelos indivíduos de interesse. Pois caso contrário, não será feito por outro grupo. E em um país como o Brasil, onde segundo o próprio ordenamento jurídico, "nenhum direito é absoluto", o que hoje é normal e "aceito pela sociedade", amanhã pode tornar-se crime punido com pena de morte. E "Bolsonaros" e Trumps" de hoje, podem ser o Hitler de amanhã. Tal qual ocorreu no início do milênio anterior.

É hora de reconhecer que o "combo de ativismos" chegou ao seu limite e que a independência dos movimentos e das pautas é necessária para que sejam supridas todas as demandas.. O que não exclui que um movimento apoie politicamente o outro (como ocorrido em 1970).

"Impérios não são destruídos por forças externas, e sim por fraquezas internas" (Lionel Luthor).




Rafael Campos, 26 de Junho de 2016