Me dirijo agora a todos os leitores, mas em especial aos leitores LGBT, para lhes fazer uma pergunta simples:
-Quantas pessoas LGBT você conhece, seja no seu círculo de amizades ou mídia ou pelas suas redes sociais?
A resposta provavelmente será: "várias", "muitas", "um monte", "perdi as contas"... E isso é muito bom. É um sinal de que estamos mais visíveis e menos "presos no armário", e isso sem sombra de dúvidas, é excelente. Mas quem somos nós? Quem somos "muitos"? Quem estamos "visíveis"?
"Visibilidade". Essa palavra é, de longe, uma das mais ouvidas em todos os movimentos sociais. Mas visibilidade para quem? Para nossa comunidade, ou apenas para nós mesmos individualmente? Visibilidade ou necessidade de destaque? Essas são perguntas que devem ser feitas urgentemente por todos "nós", do movimento LGBT.
Para esclarecer um pouco, vamos "dividir" o "nós": Quantos de "nós" têm menos de 15 anos? Quantos de "nós" têm entre 15 e 17 anos? Quantos de "nós" temos entre 18 e 35 anos? Quantos de "nós" têm entre 36 e 59 anos? E, por fim, quantos de "nós" temos temos mais de 60 anos?
Se eu tivesse, seria capaz de apostar um milhão de dólares que a total e absoluta maioria de "nós" temos entre 18 e 35 anos. Isso porque no Brasil, a expectativa de vida de travestis e transsexuais é de 35 (sim, trinta e cinco) anos de idade E a de gays, varia de 37 a 55 anos, dependendo do nível de violência do local. Isso somado ao fato de que "nós" pouco, ou nada discutimos ou pensamos sobre as pessoas LGBTs com idade inferior a 18 anos, ao passo que elas são agredidas física e psicologicamente, violentadas, maltratadas e expulsas de casa (tema que tratarei em outro texto).
Logo, é por isso que "nós" não conhecemos muitas pessoas LGBTs com mais de 60 anos. Porque elas simplesmente não existem. Elas simplesmente se mataram ou foram assassinadas antes de chegarem à terceira idade e quando chegam, muitas vezes são completamente abandonadas por suas famílias e amigos por que "ninguém quer cuidar de uma maricona". Sim. Essa é a mais pura e cruel realidade do nosso meio.
Ninguém quer saber, nem falar, nem pensar nos "velhos". Sempre foi assim com os heterossexuais, porque haveria de ser diferente com a gente não é mesmo? E há uma resposta para isso: Haveria de ser diferente porque se ser idoso no Brasil já é calamitoso, ser idoso -E- LGBT é desumano. É cruel.
Ser idoso LGBT no Brasil é ter a única e absoluta certeza do abandono. É passar nas ruas e sentir o preconceito mais cru e vil sendo destilado. Ser idoso LGBT no Brasil é ser sempre o "pedófilo", o "pederasta", o "velho tarado", a "maricona nojenta". É estar condenado a um submundo de guetos, do qual "nós" mantemos distância e, se por algum motivo um de "nós" formos vistos nestes locais, o título de garoto de programa é imediato. Pois muitas vezes, as pessoas LGBTs idosas precisam recorrer sim, a esta alternativa para ter ao menos, suas necessidades sexuais satisfeitas (sim, idosos também transam assim como "nós") já que quando conseguem a verdadeira conquista de chegar à terceira idade, "nós" simplesmente ignoramos sua existência ou a transformamos em piada. E isso não tem a mínima graça.
Imaginemo-nos daqui a 42 anos (caso cheguemos lá):
Como estaria nossa vida? O que pensaríamos sobre o que deixamos para os LGBTs mais novos? Qual o contato que teremos com eles? Eles lembrarão que existimos? Como será a saúde da população LGBT até lá? Como serão os espaços de lazer e diversão? Teremos uma família? O que teremos feito quanto ao tratamento que s LGBTs idosos recebem nos asilos e similares hoje em dia? Quem cuidará de nós? Ficaremos abandonados?
Essas perguntas são, sem dúvidas, de suma importância para que "nós" reflitamos em que condições "vivem" as pessoas LGBTs idosas no Brasil. Seja em casa, em instituições de acolhimento, asilos etc.
Atualmente não ouvimos falar de nenhuma iniciativa ou política de proteção e amparo à população LGBT na terceira idade e isso, deve ser pautado por TODOS "nós" para ontem. Pois ao negligenciar isso, não estamos sendo muito diferentes dos que nos matam enquanto jovens. Pois estamos sendo coniventes com a solidão e abandono dos nossos quando idosos.
Então vêm mais perguntas: -Qual o sentido da nossa luta? Porque estamos lutando? O que, de fato, estamos fazendo? Qual o sentido de lutar para não morrer aos trinta e poucos e simplesmente não viver depois dos sessenta?
Não existe nenhum motivo para comemoração da velhice LGBT. É como pegar o cogumelo de vida no "Mário World" e cair no buraco :
. É nadar e morrer na praia.
. É nadar e morrer na praia.
Essa situação nos faz pensar, também, no quão ingrato somos aos que lutaram antes de nós para que pudéssemos ter, hoje, condições melhores e mais liberdade para ser o que realmente somos. Há de se lembrar sempre, que foram exatamente as "mariconas" que lutaram (e nas ruas) muito antes de nós podermos "lutar" através das redes sociais, como acontece em muitos casos. As poucas pessoas LGBTs que lutaram e sobreviveram para contar suas histórias, estão muitas vezes jogadas à própria sorte sem apoio da família ou da população LGBT ("nós"). Enquanto "nós" seguimos vivendo na nossa bolha virtual, sem abrir os olhos ara o que acontece lá fora, no mundo real. O que "nós" deveríamos tratar como exemplos a serem seguidos de luta, resistência, força e conquistas; "nós" simplesmente não tratamos como nada ou tratamos como piada. Mas nunca como pessoas dignas de todo o respeito, proteção e colhimento devidos. Principalmente por tudo o que enfrentaram e passaram para que a sociedade caminhasse o quanto caminhou no reconhecimento que temos hoje.
Temos que procurar essas pessoas, saber o que acontece com elas, como elas vivem, do que precisam e o que podemos fazer para ajudar a tornar um mundo melhor para elas. Temos que ir nos guetos, nas saunas, nos bares, nos asilos, nas ruas, debaixo dos viadutos, nas rodoviárias, nas delegacias e em todos os lugares. Isso é inclusão. É sair da nossa zona de conforto e ir nos locais onde existem pessoas que podem precisar de nós. Em lugares onde há violência e poder, talvez, salvar uma vida.
Porque se "nós" sofremos homofobia hoje que somos "novinhos", "bonitinhos" em plena "idade ativa", imagina aqueles que apenas pela idade já seriam vistos por grande parte da sociedade como um "peso" e ainda são LGBT. Fechemos os olhos e imaginemos a crueldade da violência contra o idoso, acrecida de homofobia. Sim, é cruel. É desumano, torpe, vil, nefasto e todos os adjetivos semelhantes. E este, possivelmente será o tratamento destinado àqueles de "nós" que alcançarmos a terceira idade. Pois hoje, "nós" nem lembramos que eles existem e quem garante que os "sub 17" (que "nós" tampouco nos importamos) lembrarão que existiremos daqui a quatro décadas?
É preciso que acordemos para isso o quanto antes, pois toda luta deve ter uma finalidade (fim) e se o no nosso presente, temos duas opções de fim: uma morte prematura por violência ou suicídio ou o abandono e esquecimento na velhice. Frente a isso, não vêm mais perguntas e sim uma constatação: A vida população LGBT tem um final. às vezes precoce, às vezes nem tanto. Mas nenhum deles é um final feliz. E mudar isso, mais do que nunca, está nas nossas mãos.
Rafael Campos
13 de Julho de 2016

Excelente reflexão!
ResponderExcluirParabéns pelo texto Rafael!
Infelizmente a população LGBT pensa muito no agora é esquece do amanhã!
Sem falar na falsa idéia de que serão jovens para sempre.
Essa ilusão da juventude eterna é uma das coisas mais perigosas que vivemos. Os idosos no Brasil sempre foram marginalizados, e os que pertencem à população LGBT sofrem ainda mais em um país que sempre tratou os idosos como "persona non grata".
ExcluirMuito obrigado pelos elogios.
ExcluirFico muito feliz. De verdade.
=D
Muito bem lembrado esse tema. Há uns dez anos atrás, ou mais, lembro de ter lido uma matéria bem interessante, intitulada "A volta para o armário", que falava da difícil vida dos gays de terceira idade. Alguns deles, que inclusive tinham sido assumidos na juventude, eram obrigados a voltar a se esconder, na velhice, porque, por serem sozinhos ou viúvos, tinham que esconder a homossexualidade de parentes ou cuidadores preconceituosos, já que precisavam do apoio dessas pessoas... Acho um outro ponto importante a pensar, é que todos precisamos (independente de sermos gays ou não) de construirmos uma rede de suporte social. Amizades duradouras, pessoas do coração, em quem possamos confiar para a vida toda. Enfim, há muito a se refletir sobre esse tema.
ResponderExcluirBoa tarde,
ResponderExcluirO meu nome é Christiane Marques, sou estagiária de Gerontologia Social da Escola Superior de Educação de Coimbra. Encontro-me a estagiar na Câmara Municipal de Cantanhede e pretendo intervir através de diversos âmbitos de atuação na promoção de um envelhecimento ativo e bem sucedido da pessoa idosa de Cantanhede, dando assim maior visibilidade ao concelho nesta mudança de mentalidades.
Neste sentido, garantindo a preservação dos direitos de autor desta fotografia, venho por este meio solicitar o vosso apoio e autorização para utilizar esta imagem nesta intervenção que irá dar resposta a muitas das necessidades analisadas na pessoa idosa de Cantanhede, público muitas vezes marginalizado pela sociedade.
Aguardo a sua resposta, esperando a sua colaboração.
Muito obrigada,
Com os melhores cumprimentos,
Christiane Santos Marques.