Nos últimos tempos, o movimento LGBT vem passando por diversas crises internas.
Em tempos onde o ativismo se tornou predominantemente virtual e individual, as pessoas parecem não perceber que diversas vezes (para não dizer quase sempre) elas fazem exatamente o que criticam e entram em notória contradição. Mostrando uma perigosa falta de interesse pelas questões pragmáticas e se atendo apenas ao debate mais profundamente superficial possível, temas como criminalização da LGBTfobia; despatologização da transexualidade; pautas voltadas à saúde; segurança; políticas de proteção e amparo às crianças e adolescentes LGBTs agredidas, abusadas e expulsas de casa e políticas de proteção e amparo aos LGBTs idosos são totalmente ignorados em prol de infinitas discussões muito mais "urgente" e necessárias" como: "protagonismo", "local de fala", "heteronormatividade", "padrões estéticos", "gênero fluido", dentre outros.
Com o passar dos anos e a evolução dos meios de comunicação, a internet se tornou cada vez mais a ferramenta principal da militância do século XXI. O que a vem tornando perigosamente individualista, imediatista, rasa e impositiva. Não se sabe mais construir um diálogo com pessoas que "não sofrem a mesma opressão que você". Qualquer um que não esteja no seu "grupo", é seu opressor e não merece qualquer consideração ou debate, pois a única vontade que vale é a sua porque é o "mais oprimido". Isso faz com que cada vez mais, as pessoas tentem impor seus estilos e modos de vida para os demais, afim de fazer com que eles se encaixem nos seus "padrões de desconstrução". Se você não é "closera", "fechativa", "lacradora" e "pintosérrima" você não e gay o suficiente e não passa de uma "bixa encubada, heteronormativa" que tem que ficar calado e não pode falar nada orque não tem local de fala.
Mas o que é ser gay o suficiente? É se portar e agir de acordo com o novo "Código de Conduta Gay"? É ter que provar para o meio LGBT que não precisamos provar nada para a sociedade provando para eles que seremos exatamente o que querem que sejamos? (confuso, não?)
Coisas como essa nos mostram a que ponto a incoerência (para não dizer hipocrisia) podem chegar. Pois ao defendermos a "diversidade", criticamos aberta e desmedidamente pessoas que, muitas vezes são apenas do jeito que são. Que se encaixam e se sentem confortáveis em ser e se portar de determinada forma mais "discreta" ou usar roupas "masculinas.
As pessoas que se preocupam tanto em estabelecer locais para as coisas, parecem não ter a mínima noção do que defendem ao entender justamente que existem LOCAIS e MOMENTOS específicos para se debater todos os tipo de assuntos e demandas. Transformando assim, a política e um movimento de luta por direitos, em um espaço de discussões filosóficas infinitas que por mais que sejam extremamente válidas e necessárias para o bom desenvolvimento da sociedade, não acrescentam em absolutamente nada no movimento em questão. A mistura de espaços e falta de foco têm se mostrado, cada vez mais, as piores inimigas do movimento LGBT.
Vivemos em uma época em que a sociedade se organiza em micro-bolhas, onde seus membros tomam a realidade em que vivem como aplicável ao restante da sociedade. O que não chega nem perto de ser verdade e dificulta cada vez mais a construção de propostas e projetos abrangentes e aplicáveis a níveis macrossociais. E uma vez que a individualidade coletiva é propagada de forma desenfreada e usa de espaços e mecanismos de construção conjunta para sobrepor suas vontades individuais ou de seu grupo em detrimento dos demais, não pode-se esperar, de fato, muitos avanços.
É preciso entender que "dar a cara a tapa" vai muito além de postar textos de teorias pós modernas desenvolvidas em grupos de "militância" do Tumblr ou Facebook, ter trejeitos afeminados, usar o dialeto ou postar memes nas redes sociais. Dar a cara a tapa é se afirmar enquanto gay e enquanto ser social e ter consciência disso, respeitando absolutamente TODAS as diferenças entre as pessoas sem querer impor o seu estilo ou ideias à elas. É se preocupar com seus semelhantes e no que você pode fazer para realmente ajudar. É pensar que enquanto ficamos criticando outros gays por serem "heteronormativos demais" ou "afeminados demais", poderíamos estar discutindo uma forma de criminalizar a LGBTfobia. É conversar, dialogar e abrir debate com os héteros para que eles nos ajudem a criminalizar a LGBTfobia ao invés de excluí-los do debate e mandá-los calar a boca porque eles "não tem lugar de fala", apenas para satisfazer nossa sede de vingança mesquinha e mandar ele calar a boca. É fazer com que o nosso opressor pare de nos oprimir porque ele sabe que isso é errado, não porque estamos berrando na cara dele e tendo para com ele as mesmas atitudes que ele tem com a gente (piadas, chacotas, ironias, etc...). É ter coerência entre o que você defende e com o que você pratica. ISSO é dar a cara a tapa; é fazer o que incomoda, o que a gente não quer, o que pode doer, porque sabemos que assim conseguiremos evitar que mais pessoas como nós passem por tudo o que tivemos que passar em função do preconceito. Este deve ser o real sentido da militância: melhorar o mundo para nós e para todos. E ninguém nunca disse que isso seria fácil ou agradável. É para os fortes. Para quem realmente está disposto a fazer coisas desagradáveis e dialogar educadamente com gente que não gosta e da pior espécie em função de um bem que não é apenas para si, mas para toda uma comunidade.
Enquanto o movimento LGBT seguir focado em disputas de ego internas vazias e sem sentido, seguiremos estagnados tal qual nossos inimigos querem que fiquemos. Pois eles sim, estão muito bem organizados e alinhados no que querem. Possuem discursos persuasivos, inserção social (que nós não temos) e estão conseguindo levar cada vez mais a sociedade para o lado deles e contra nós.
É preciso sair do "Vale dos Homossexuais" que criamos e voltar para o mundo real, pois lá fora existem muitas pessoas que não possuem nem a chance de sonhar em ter um vale desse para "viver".
É preciso que todos nós sejamos Gays o suficiente para encarar o movimento LGBT como um movimento político sério e que deve ser organizado e com objetivos, pautas e discussões claras e inclusivas à TODA comunidade. Deixando de lado as disputas de ego e os revanchismos cotidianos em função do que realmente deve ser prioritário.
O lugar de fala existe, mas nunca deve ser mais importante que o debate, pois se não há debate e pontos de vista divergentes, há uma imposição. E dessa forma nós nunca conseguiremos nenhum tipo de avanço dentro do movimento, muito menos na sociedade como um todo, bem como seguiremos alimentando a imagem negativa do movimento LGBT e legitimando todas as críticas das quais somos alvos quando dizem que "não sabemos o que queremos", "queremos demais", "não sabemos dialogar".
Uma pessoa alegar "reação do oprimido" para justificar uma má conduta não faz com que sua conduta melhore, apenas a transforma em imatura e revanchista. Além de ela esquecer que seguindo por esta mesma lógica, ela legitima o opressor "oprimido" por ela a perseguir e agredir outra pessoa para descontar. Onde está a preocupação de militante nessa hora? Não podemos ser inconsequentes e enquanto seres pensantes que somos, devemos entender que certas coisas não estão sob nosso controle. Como o fato de pelo simples motivo de sermos gays, sempre estaremos em maior "destaque" na sociedade, sendo assim, todas as nossas atitudes influenciam na concepção que os demais têm a nosso respeito. Principalmente a nossa forma de lidar com eles e dialogar. E sem o apoio da maioria da sociedade, poderíamos ser massacrados como éramos há poucas décadas atrás.
Temos que repensar urgentemente nossa forma de atuação e inserção em sociedade, pois empatia não é uma coisa que se consegue à força e sim com muito diálogo, discussão e debate envolvendo o maior número de pessoas possíveis. Caso contrário, não poderemos ficar chocados com o quanto "a direita está reacionária" e se mobilizando contra os direitos da população LGBT. E enquanto estivermos preocupados em chamar homens gays "heteronormativos" de "GGGG", tentar calar pessoas dentro do próprio meio sem se importar em esclarecer as divergências, querer impor "teorias" e afins, não conseguiremos empatia nem dentro da população LGBT, muito menos da sociedade como um todo. Menos ainda, pensar em dar algum tipo de amparo para as crianças adolescentes e idosos LGBTs.
Porque como poderemos pensar em lembrar e ouvir essas pessoas quando não conseguimos ouvir e dialogar nem com quem está na nossa frente? Nós não pensamos neles, porque se pensássemos colocaríamos nosso ego de lado em função do que realmente importa. Mas o movimento "LGBT" é a única luta "coletiva" onde os membros brigam por "protagonismo".
Rafael Campos.
10/07/2016

Rafael, você tem uma maturidade admirável, incomum para alguém da sua idade. Parabéns por seu texto e suas ideias.
ResponderExcluirMuito obrigado. =D
ExcluirFico muito feliz em ler isso, de verdade. <3